“A dança” de H. Matisse



“Meu sonho é chegar a uma arte plena de equilíbrio, de pureza e serenidade...” Matisse

Gênio, poeta interrogativo e inquieto, Matisse é uma personalidade eterna na História da Arte. Certa vez disse que pretendia pintar no “estado de graça de um selvagem ou de uma criança”, superando, assim, sua formação acadêmica e tradicional. Sua pintura com o passar dos anos tornou-se cada vez mais simplificada, seus recursos básicos passaram a ser as cores e as linhas que explodindo em formas densas, tornaram-se livres de quaisquer imposições acadêmicas, muito mais atenta à composição, do que com o tema propriamente dito.

Observar o quadro “A dança” é pensar neste temperamento livre, alegre e cheio de vida de Matisse. Sua pintura não imita o objeto a ser representado, mas “deforma-o” objetivamente, seguindo as exigências da composição, de estrutura e de cores. E o objeto nesta obra, tão pleno de significados, motiva o ritmo, a identificação íntima do artista com sua obra. Todos os aspectos formais de cor, luz, espaço, harmonia e as figuras, bastante simplificadas, encontram-se absolutamente unificados.

“O quadro tem um significado mítico-cósmico: o solo é o horizonte terrestre, a curva do mundo; o céu tem a profundidade do azul-turquesa dos espaços interestelares; as figuras dançam como gigantes entre a terra e o firmamento. Ao Cubismo que analisa racionalmente o objeto, Matisse contrapõe a intuição sintética do todo. É este precisamente o quadro da síntese, da máxima complexidade expressa com a máxima simplicidade. É a síntese das artes. A música e a poesia confluem na pintura, e a pintura é concebida como uma arquitetura de elementos em tensão no espaço aberto; é síntese entre a representação e a decoração, símbolo e realidade corpórea, entre o volume, a linha e cor. (...) Tal era sua intenção; prova-o uma carta, em que afirma ter procurado "para o céu um belo azul, o mais azul dos azuis (a superfície é pintada até a saturação, vale dizer, até um pouco em que finalmente emerge o azul, a idéia do azul absoluto), e o mesmo vale para o verde da terra, para o vermelhão vibrante dos corpos. [...] " (Argan, Giulio Carlo - Arte Moderna, São Paulo, 1992, p. 259).

O uso da força expressiva das cores puras e, sobretudo, a profundidade do espaço, sentenciam que é a qualidade essencial do objeto que importa e não sua superficial aparência real. Nesta tela fica claro observar uma ordem cuidadosamente elaborada pelo artista, que antecede a pintura, ou seja, antes de iniciar uma obra, ele já desenvolvera uma visão completa do conjunto.

No texto O Credo Criativo de Paul Klee é traçado um paralelo interessante do espectador com uma obra de arte: “Na obra de arte existem caminhos preparados para os olhos do espectador, olhos que tateiam como um animal pastando. (Na música – como se sabe – há canais de audição que levam ao ouvido; no teatro, ambas, audição e visão, são utilizadas). A obra pictórica surgiu do movimento; ela mesma é movimento registrado e é assimilada por movimento (pelos músculos dos olhos). (...)”.

Em “A dança” Matisse atinge um grande aprofundamento de sua visão do mundo e consegue ser inteiramente honesto com o espectador, não reservando para ele detalhes considerados supérfluos no seu entendimento. Confere a composição apenas o que é essencial, em sua estrutura concebida como uma teia de elementos em realidade corpórea (as imagens dos corpos) em pleno espaço aberto, impregnadas de cor, emoção estética, harmonia, equilíbrio e força vital.


Autor: Márcia Café (direitos reservados)

Referências bibliográficas

- KLEE, Paul. O Credo Criativo, 1920.
- MATISSE, Henri. Escritos e conversas sobre arte, 1908.
- ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras,
1992.
- COSTA, Cristina. Questões de Arte: o belo, a percepção estética e o fazer
artístico. São Paulo: Moderna, 2004.
- Ficha - Acervo: Roteiros de Visita. MAC USP, 2004.